O DESPREZO
O sentimento de desprezo pressupõe uma relação do olhar do outro sobre o ser desprezado – um olhar que o torna invisível, que renega ao primeiro gesto de humanidade pois não o reconhece como seu semelhante, que o reduz a uma insignificância e lhe retira existência – ou melhor, que lhe confere uma existência indiferente. Os auéééu, inspirados pelos filmes Le Mépris e Weekend de Jean-Luc Godard, propõem-se pensar este sentimento, esta ausência de consideração pelas relações que cultivamos nas nossas vidas, o exercício de poder dominante, a manutenção dos seres desprezados.
O que nos diz este desprezo? O que nos diz acerca de quem despreza e de quem é desprezado? Que pensamento estruturante é revelado a partir dessa observação?
LOCAL E DATAS
> 8 a 11 de outubro - CCB
FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA
Criação e produção auéééu
Com Beatriz Brás, Frederico Barata, Filipe Velez, Joana Manaças, João Silva, Miguel Cunha e Sérgio Coragem
Apoio à criação Statt Miller e Francisco Salgueira (estagiário)
Desenho de luz Manuel Abrantes
Cenografia Joana Sousa
Figurinos Statt Miller
Apoio à pesquisa David Antunes e Francisco Luís Parreira (Inúteis Conversas)
Apoios DGArtes, República Portuguesa – Ministério da Cultura, Garantir Cultura, SPA/AGECOP
Coprodução Centro Cultural de Belém
Residência de coprodução O Espaço do Tempo e Centro Cultural Vila-Flôr
Residência de produção ProDança
Agradecimentos Às nossas famílias, Siegfried Stuber e Teatro da Politécnica
Fotografias Alípio Padilha
Duração 80min.
M/12
SOBRE O ESPETÁCULO
De que se vestem as emoções? Como se traja o desprezo? Como se pode tornar estético, bonito e interessante um sentimento cuja natureza se rege pela falta de apreço ou consideração por alguém ou alguma coisa?
O desafio de pensar a dramaturgia dos figurinos da mais recente produção dos auéééu resultou de uma dedicação profunda e absoluta a este sentimento/conceito que preside o espectáculo, precisamente o contrário daquilo que a sua definição implica.
Conforme já vem sendo habitual no registo cénico da companhia, este espectáculo vive de referências muito concretas das quais o grupo se apropria e reinventa, de modo a criar a sua própria escrita cénica original. Assim, partiu-se do filme Le Mépris (1963) de Jean-Luc Godard, o realizador fetiche da companhia, que tornou icónica a imagem de Brigitte Bardot num roupão amarelo canário.
As personagens do enredo de O Desprezo dos auéééu são as mesmas do filme em que se inspiraram, e o sentimento de desprezo não só é evidentemente herdada da narrativa cinematográfica godardiana, como se concretiza cenicamente no casal sem nome que serve de metáfora a esse sentimento.
A citação das cores do filme manifesta-se nas cores dos actores em cena, de modo a tornar evidentes as relações entre personagens e a sobreposição de planos ficcionais de que vive este espectáculo, formando pares funcionais/disfuncionais, revelando de que forma o amarelo significa o divino e o dinheiro, o azul claro as referências clássicas, e o vermelho a ferocidade das forças de produção. O verde serve os indecisos e as indecisões, e o azulão a reunião das ficções. Sendo o branco a junção de todas as cores, esta é a cor que veste a intersecção e o domínio de todos os planos da cena. As cores da terra, em vez de expressarem o significado que lhes é inerente (conforto, segurança, integridade, consciência e responsabilidade), servem, paradoxalmente, a citação de Bertolt Brecht, autor de eleição de Jean-Luc Godard: «Só o fragmento pode conservar a autenticidade.»
De que forma o desprezo habita as nossas vidas, como convivemos com ele e de que forma o reciclamos artisticamente, tornando-o produtivo, significativo e autêntico numa linguagem teatral? Comece-se por se vestir um roupão amarelo canário. O resto, é ficção, citação e jogo cénico.
CARTAZ
[© Alípio Padilha]
IMPRENSA